Chuva de Meteoros

Com todo o cansaço por conta do dia de trabalho e por todos os problemas recentes causados por seus dois filhos, incluindo o resgate de última hora da mais nova e também da nora, Amëlie ao adentrar o apartamento mal consegue perceber o ambiente ao seu redor e simplesmente acaba por ceder ao sono ainda no sofá. O cansaço é tamanho que ela nada escuta durante seu sono profundo, e apenas desperta no dia posterior, já próximo ao meio dia. O sol já muito quente adentra a janela e atinge seu rosto, assim como uma grande parte do ambiente.

À sua volta, o caos é completo. As partes da sala onde não costumavam haver nenhum móvel estão cheias de eletrodomésticos empilhados, assim como alguns móveis também foram retirados do lugar onde a mulher havia colocado. Se reparar, ela pode encontrar todos os eletrodomésticos que tem ali. O telefone da casa também está ali, completamente desmontado e com peças robóticas alienígenas espalhadas ao seu redor.

Apesar da bagunça, está tudo estranhamente silencioso. Ela não escuta nenhuma música alta vinda do quarto de Cold e nem os desenhos terráqueos japoneses de Wilhelm. Quanto menos a voz do filho mais velho conversando com seu robô pessoal, ela simplesmente não ouve nada. Isso poderia ser algo muito bom ou muito ruim, mas certamente não parece normal. Ainda mais depois da bagunça instalada não só na sala, como em toda a casa após a retirada de seus eletrodomésticos de seus devidos lugares.

Amëlie queria arrancar a própria cabeça do pescoço tamanha a dor que sentia ao abrir os olhos no dia seguinte. Havia chegado em casa tão exausta — afinal, antes de ter que lidar com Cold, Wilhelm e Stellae, a mulher estava mais que atolada em trabalho —, que mal havia notado quando o momento em que havia se deitado e muito menos quando pegou no sono, só percebendo que havia o feito quando novamente abriu os olhos e a luz clara da tarde invadia o apartamento de grandes janelas.

Sentou-se no sofá com lentidão, os músculos de todo o corpo doendo pela posição desconfortável a qual dormira, enquanto massageava as têmporas de maneira a aliviar a dor de cabeça de alguma forma. Tomaria uma aspirina ou algo do tipo quando fosse para cozinha. Por um momento, naquele silêncio todo, permitiu-se sentir falta de Soren. Sentir falta dos momentos juntos e das conversas.

Isso até perceber a coisa mais estranha. O silêncio.

Ainda não havia prestado atenção no estado atual da casa, mas o silêncio era incômodo em níveis absurdos. Não ouvia a cantoria de Cold no quarto. Não ouvia Stellae conversando com Wilhelm, e não ouvia a voz do filho conversar com o robô de estimação. Não ouvia o som dos desenhos estranhos que o filho assistia, ou o barulhos do jogos eletrônicos da filha. E aquele silêncio, a falta desses sons causaram um desespero tremendo no coração da mulher, que finalmente abriu os olhos para reparar no estado da sala.

Infarto.

No momento em que os olhos verdes de Amëlie pousaram-se na bagunça descomunal que se instalava na sala de estar da casa, a mulher sentiu que poderia literalmente ter um infarto ali mesmo. Tudo, absolutamente tudo eletrônico estava amontoado na sala, e parcialmente desmontado e a Schwazdorn praticamente viu o dinheiro ir para a casa do caralho. O surto era tamanho que a mulher sequer havia aberto a boca para reagir aquilo: apenas levantou-se, caminhou com cuidado pelo meio da bagunça e pegou uma aspirina na bolsa. Pegou um copo d'água e tomou o remédio, com a calma controlada que só uma pessoa surtada da cabeça poderia ter num momento como aquele.

— ... — O silêncio da mulher era quase assustador. Isso até o copo de vidro voar em direção da parede, estatelando-se em mil pedaços — EU VOU FICAR LOUCA COM ESSES MOLEQUES.

Mesmo com a crise nervosa causada em Amëlie pela bagunça e falta de responsabilidade de seus filhos, a casa permanece silenciosa. Caso procure nos cômodos da casa, não encontrará ninguém em nenhum deles. Além disso, não foi deixado nenhum bilhete ou mensagem no technophone da mãe avisando-a onde estariam. Isso tudo torna-se especialmente estranho, principalmente após a dor de cabeça que as besteiras dos filhos causaram para o casal na noite anterior.

Talvez para melhorar a frustração da mulher ou apenas para piorá-la, o som da campainha ressoa pela casa silenciosa, atingindo seus ouvidos independentemente de onde ela esteja. Ao contrário do que ela espera, na pequena tela ao lado da porta da frente do apartamento que mostra as imagens da câmera do hall, não são seus filhos que retornaram.

Na verdade, através da imagem ela pode notar uma garesiana muito baixa e já um pouco velha para os padrões da raça. Ela usa roupas muito formais e um óculos um tanto pequeno em comparação com sua cabeça. Sua pele é ainda mais acinzentada que o normal, entregando a idade avançada, assim como algumas rugas que já formam-se em seu rosto. Pela sua expressão, ela já parece impaciente e verifica informações constantemente em um pequeno tablet em seus braços.

— Okay, estou melhor. — As palavras escaparam com um suspiro cansado após o repentino surto de Amëlie. Os dedos escorreram-se pelas longas madeixas acastanhadas, para depois procurar o tecnophone no bolso, verificando a falta de mensagens dos filhos, e novamente se irritando. Já não bastava a bagunça que fizeram no dia anterior, já haviam saído para arrumar encrencas em outro lugar. 

Por fim, suspirou novamente, caminhando pela casa só de teimosia — a falta de barulho já avisava claramente que os filhos não estavam mais ali fazia algum tempo — para procurá-los, retornando correndo com pressa para a sala ao ouvir o som da campainha. Mas, logo estranhou: os filhos tinham as chaves. 

— Pois não? — Perguntou após apertar o botão ao lado da camerazinha, arqueando a sobrancelha. Aquela velha lhe era estranha, e não gostava da presença dela ali.

A mulher levanta seus olhos devagar, demorando uma eternidade para fazê-lo. Ela então aproxima a tela do tablet de seu rosto, buscando enxergar melhor o que está escrito no aparelho. Ela ajeita então seus óculos, antes de se pronunciar finalmente.

— Senhora Amëlie Schwarzdorn — Ela pronuncia as palavras estranhamente rápido quando comparado à velocidade com a qual se mexe, fazendo com que o sobrenome da mulher soe ainda mais confuso. — Sou Aidha e trago um recado da Aliança. Deve se sentir honrada, não é comum fazerem isso. Além do mais... Argh, já estou muito velha para essas coisas. — Reclama, arqueando um pouco o corpo para a frente e acariciando com uma expressão de dor a pele acima de onde se localiza seu nervo ciático.

Desconfortável com a demora que a mulher leva para apenas olhar para câmera, Amëlie se remexe, suspirando baixinho e batucando os dedos na parede ao lado do aparelho. Porém, mal pode esconder a surpresa quando as palavras saem muito rápido dos lábios da velha, fazendo-a piscar várias vezes, além das palavras suavemente surpreendentes dela. 

— Recado da Aliança? O que eles querem? — Perguntou, arqueando a sobrancelha novamente e encarando-a pela telinha, curiosa.

A mulher cruza os braços e olha para o lado, quase como uma criança birrenta. Ela não parece feliz em conversar com Amëlie através de um mero microfone sendo que veio até a casa dela a mando de seus superiores e nem sequer foi devidamente recebida. Além disso, manter uma conversa sem nem abrir a porta parece nem um pouco educado para a velha garesiana, que resmunga algumas vezes.

— Para negócios, pelo que sei. Você deve ser bem importante para me fazerem vir aqui pessoalmente. — Ela rola a tela do tablet com seus pequenos e enrugados dedos cinzas. — Por sinal, esperava ao menos uma recepção melhor. Vai me deixar parada aqui do lado de fora da porta? Se pudermos conversar melhor poderei explicar a proposta que vim trazer. Isso não é jeito de tratar uma idosa! — A voz rouca da mulher reclama novamente, batendo os pequeninos pés incessantemente.

— Oh! Você tem razão, mil perdões! — Amëlie sinceramente nem tinha notado a falta de educação que estava cometendo, e antes de abrir a porta, deu uma boa olhada na sala de estar, franzindo o cenho. — Bom, não repara a bagunça, mas entre. — Disse assim que abriu a porta, dando passagem para a mulher entrar e mordendo os lábios — Negócios, você dizia? Aliás, que uma água? Café? 

A pequena mulher entra no apartamento a passos curtos e com o queixo empinado, já que ela não tem nariz. O fato de ter passado tanto tempo esperando do lado de fora é claramente um ultraje para ela, que é tão idosa, tão sábia e profundamente inteligente. Ao menos, ao seu ver. A senhora faz uma careta de desaprovação ao ver a bagunça de eletrônicos, balançando a cabeça negativamente. A garesiana então se senta em um canto do sofá, com a coluna perfeitamente ereta e as pernas cruzadas.

— Você tem um chá? Se não, pode ser uma água mesmo. — Diz, centralizando o tablet em seu colo. — Bom, o que era mesmo...? Ah, sim. Todos sabemos sobre a empresa de mechas do seu pai, que é pioneira no assunto e você certamente sabe sobre os ataques da Reconquista contra nossa capital. Um novo ataque acabou de ser feito a um shopping cheio de famílias, e um de nossos soldados felizmente conseguiu salvar a todos e prevenir que eles consigam machucar nossa população. Mesmo tendo um sistema muito avançado de segurança para proteger cada um de nossos cidadãos, ele tem falhado em proteger nosso planeta das bombas, e me enviaram porque acreditam que você pode ser a pessoa que poderá nos ajudar. — Ela lê em seu tablet, provavelmente escreveu o discurso anteriormente para ficar compreensível a qualquer pessoa.