Cuidando dos negócios.

No fim das contas antes que pegasse as chaves para abrir a oficina, foi surpreendido pela presença do uber black que o esperava logo na entrada.
Christopher vestia um casaco jeans verde que cobria superficialmente uma regata branca. A calça era feita de sarja na cor marrom escura, assim como as botas que usava regularmente para trabalhar. O cabelo estava preso atrás da cabeça e contido pelo óculos. Na cintura dava para ver uma pochete cinza também.

— Bom dia, colega. É você quem vai me levar?

A voz não transparecia nada mais além de duvida. Não imaginava que o motorista estava esperando há uma hora ali. Instintivamente estalou o pescoço logo após a pergunta.

O piloto já está bufando quando Christopher enfim aparece. Ele é um homem de meia idade, já com cabelos grisalhos e, aparentemente, é um piloto experiente. Sua cara não é nada boa ao notar a presença do tecnopata, ainda mais com a pergunta que ele faz. Não é como se fosse algo pessoal, mas ele claramente detesta que não respeitem os horários. Ele murmura algo incompreensível em resposta ao "bom dia", quase como um resmungo.

— Que demora, hein? É claro que sou eu. — Ele reclama, impaciente. — Podemos ir logo? Não tenho o dia todo.

Percebendo a impaciência e rispidez nas palavras do piloto, franziu o cenho virando levemente a cabeça como quem não estava entendendo a braveza.

— Como assim "que demora"? Estabelecimento comerciais costumam abrir as 7h, você quem está adiantado. De qualquer forma, vamos logo sim. Quero acabar isso o quanto antes.

Com ambas as mãos na cintura, esperou o motorista entrar primeiro para só então segui-lo e ficar no banco do carona.

— De onde eu vim não é bem assim e ninguém me avisou nada. Sendo assim, não tenho obrigação de adivinhar e de ficar esperando.

Ele reclama, mas fica quieto durante todo o caminho até o lugar onde sua nave está estacionada. Por sorte, o hangar onde ele deixou-a não fica muito distante da oficina de Christopher. É uma nave pequena e simples, dedicada provavelmente apenas à esse uso. Ele pressiona um botão que faz com que a porta automática se abra para que o passageiro entre e então se acomoda no banco do motorista.

— Só coloque o cinto pra eu não ser multado. — Ele diz ao decolar a nave, virando-se brevemente para encarar o homem no banco de passageiro.

Resolveu não discutir mais, mas claro que ele deveria saber o horário comercial dos EUA se iria atender um cliente lá. Apenas o seguiu até o hangar e, quando aberto, entrou no veículo. Não iria se afivelar no banco, mas quando ouviu o resmungo remexeu os olhos.

— Beleza, beleza.

Prendeu o cinto e voltou o olhar ao motorista como quem perguntava: "Já podemos ir?".

— Óia que eu vô memo hein. Depois não diz que eu num avisei ocê. — Ele esbraveja com um sotaque típico de um "redneck". — Ah, quase isqueci rapai. Toma essa porcaria aí, a muié mandou te dar e falou que ia "coger mi culo con un rábano" se eu num te desse. Deve sê coisa importante.

Ele entrega um pequeno dispositivo em formato de barra e feito de plástico, conhecido por ser uma espécie de carta reutilizável da época. Seu funcionamento é simples: quando se pressiona seu único botão, um painel é exibido com a mensagem digitada pelo remetente. Caso o usuário deseje, basta conectá-lo a um computador e reescrevê-lo com a mensagem que quiser.

Seu conteúdo não está protegido com senha, uma opção que muitos utilizam. Sendo assim, basta pressionar a tecla que a mensagem é exibida diante de Christopher.

Olívia escreveu:

Buenos dias, querido.
Está marcado para as 7:20 e não vá se atrasar porque estamos lidando com um homem importante. Ao chegar lá, anuncie-se com seu nome e sua entrada já estará liberada para a cobertura aonde ele reside. Lembre-se de me atualizar!

O velho ranzinza nem mesmo dá um tempo necessário para que o engenheiro leia, visto que após os poucos segundos necessários para aquecer sua nave são todo o tempo que Christopher tem antes que o veículo decole a uma velocidade bem maior do que o normal. Ele realmente parece apressado.

Naquela velocidade e voando numa altura considerável, a viagem até Washington parece uma piada. Não passa de alguns poucos minutos, e o grande arranha-céu envidraçado que serve como sede para a Ohini já é visível, denunciado pelo grande letreiro que parece ser feito de cristal com o nome da empresa.

— Ô minino, é aquele treco ali. Quer que eu lhe deixe em cima ou embaixo dele? Eu num me importo não, só quero que ocê chegue logo pelo amor de deus.

Não era um grande entendedor de espanhol, mas deu para pegar o espirito da coisa. Pegou o dispositivo que fora entregue e assentiu com a cabeça. Dava para imaginar os arrepios do velho freelancer ao receber ordens daquela mulher de personalidade forte.
Assim que teve chance posicionou o equipamento frente ao rosto e começou a ler, mas antes de terminar sofreu a força G da aceleração fazendo-o enrijecer o pescoço e "grudar" no banco.

— Vai com calma, ô merda!

Tudo bem que gostaria de chegar o quanto antes, mas queria também uma viagem confortável. Assim que a velocidade ficou estável, recomeçou a leitura. Olivia era realmente eficiente, aprontou tudo em apenas algumas horas. Uma passagem da mensagem chamou mais atenção: "anuncie-se com seu nome e sua entrada já estará liberada para a cobertura aonde ele reside", isso talvez significasse que não poderia simplesmente saltar na cobertura, ou poderia arranjar problemas.
As estruturas da capital eram impressionantes, todos que moravam lá deveriam ser podres de ricos, pensava Chris. Claro que conhecia Washington, mas era um lugar que evitava frequentar graças a grande massa de agentes do governo. Ainda que não se revelasse como um rebelde não gostaria de dar sorte ao acaso.
Quando questionado pelo motorista respondeu, olhando pela janela do veículo.

— Me deixe lá na portaria, deve ser melhor.

O rosto parecia estar em devaneios, imaginando o tipo de coisa que teria de falar com Jafari.

— Pois muito bem homi, mai num vá dizer que eu num fiz o que ocê pediu. Essa caceta aí deve tê mais de mil metro de altura então boa sorte subindo esse tramboio todo. — Ele diz enquanto apanha um dispositivo portátil, que ele não parece ser muito bom em usar, e tenta digitar alguns comandos. — E diz pra tua patroa braba me dar uma nota legal no apricativo. Têm criança que precisa comer, ouviu bem? Num é todo mundo que tem essa vida forgada de morador da cidade não, tá entendendo?

Já na frente de onde está, Christopher pode ver a luxuosa recepção da empresa. Certamente é maior do que muitos apartamentos que já viu, e provavelmente muito mais cara também. Nela, alguns atendentes robóticos aguardam, e nenhuma atendente é vista. Parece que o empresário prefere contar com sintéticos como funcionários.

Há dois elevadores, um em cada canto do saguão, e nenhuma escada. As únicas pessoas ali são seguranças que observam a entrada de Christopher e fazem anotações em um pequeno dispositivo.

Ao chegar no local designado, ainda olhando para fora apertou novamente o botão de mensagem do dispositivo, fazendo-a se fechar. Guardou na pochete em seguida. Ouvindo o sotaque horrível do motorista ecoar ao fundo de seus pensamentos, virou para ele com um sorriso amarelo. A viagem não foi boa e era um resmungão, mas não queria discutir trivialidades.

— Haha, pode deixar, colega. — "Patroa?", pensou Chris. — Vai ganhar cinco estrelas, mas na próxima poderia oferecer umas balas e quem sabe uma água. — Por último foi uma singela provocação, mas não ficou esperando para ouvir os resmungos que com certeza viriam em seguida. Acenou com a mão direita e saltou do veículo indo direto para a entrada. — Tenha um bom dia!

Caminhando até os robôs da recepção certificou-se de dar uma boa olhada em cada coisa ali. Os seguranças, os elevadores, a estrutura e os recepcionistas.

— Christopher Parker Thompson, horário marcado com Kwame. — Durante a frase e a espera tentou identificar o modelo do robô para ver se conhecia seu funcionamento.

— Obrigado! — Exclamou enquanto se retirava da aeronave, guiando tanto Eisen quanto Stellae com as suas mãos. Quando ouviu a proposta da moça que fazia seu trabalho como motorista, refletiu por alguns momentos.

— Olha, m-moça. Eu agradeceria, mas não sei quanto tempo vou precisar ficar aqui. Com essas horas perdidas, a senhora poderia muito bem fazer outras corridas. Não quero incomodar! — Foi o que disse. Tê-la os esperando poderia ser uma boa, visto que atualmente, Wilhelm era um verdadeiro imã de confusão e mal-entendimento. Ter uma motorista de fuga pronta para levá-lo caso fizesse algo de errado - o que não era difícil - seria certamente uma excelente vantagem.

De alguma forma, seu robô pequenino se retirava da nave da mulher com muitas balas em sua posse. Talvez ela tivesse gostado muito dele, ou tivesse sido furtada por ele. O ciborgue adolescente nem ao menos parava para pensar na origem daqueles doces.

Quando enfim adentrou aquele prédio gigantesco, pausou para averiguar o local e achar alguém propício a lhe orientar. Assim que o seu ajudante autômato percebeu a visível confusão na linguagem corporal do jovem, puxou o tecido de sua calça para chamar atenção. — Recepção — era o que dizia, enquanto apontava ao balcão.

Com passos apressados, o caolho tratou de se dirigir até lá. — O-Oi, como faço pra falar com Kwame?

— Bom, a viagem foi realmente ótima. Até mais! Mas é como ele disse, não sabemos se vai demorar, então é melhor você aproveitar o seu tempo de trabalho, realmente não queremos lhe incomodar.

Dito isso, se retirou do carro, guiada por Willie. Seus olhos guiavam os robôs que andavam ziguezagueando pelo enorme prédio, de um lado para o outro, tantos que quase não era visível a presença de pessoas por ali, as dos seguranças, até então. Procurava pela recepção em silêncio, mas sem que pudesse perceber, já estava diante da mesma.
Apertou com delicadeza a mão de Willie, esperando por alguma resposta. Do jeito em que estavam acompanhados, parecia uma tia ou algo do tipo. Suas vestes também a deixava com um ar mais adulto.

O pequeno visor na parte frontal do rosto do sintético pisca conforme ele processa o comando de Christopher, e quando sua voz sintética enfim se pronuncia, Wilhelm e Stellae se aproximam com o mesmo pedido do humano.

Isso requer um tempo de identificação maior por parte do robô, que não está habituado a realizar esse tipo de tarefa. Alguém procurar diretamente pelo CEO da empresa não é lá muito usual, muito menos três sujeitos em um dia só. De uma maneira ou de outra, após poucos segundos, o sintético checa a agenda e confirma o agendamento.

— Bem-vindos, Wilhelm Schwarzdorn e Christopher Thompson. Vocês dois têm a permissão de acessar o centésimo quinto andar aonde o senhor Jafari está, mas a fêmea humana não está registrada em meus-- — Ele é interrompido subitamente e seu visor volta a piscar por alguns instantes. — Meus dados foram alterados. Os três têm permissão para prosseguir.

Analisando melhor o robô, Chris arqueou a sobrancelha esquerda esboçando um sorriso amarelo. Provavelmente sua suspeita acabara de se confirmar.
Antes de receber a resposta pôde ver e ouvir o garoto, a cegueta e o robô pedindo para irem se encontrarem com Kwame também, aparentemente no mesmo horário, levando o rapaz a crer que aquilo seria mais complicado do que imaginou. Resolveu fingir que não estavam indo para o mesmo lugar, pensando que poderia ser mais fácil lidar com a situação caso não criasse algum vínculo prévio com aquelas pessoas.


— Que grande filho da puta. Se ele não me disser o que eu quero o tempo vai fechar.

Murmurou com intensidade quase inaudível enquanto já dera as costas, andando para o elevador da direita. Apesar de não querer papo não era mal educado o suficiente para apertar os botões e vazar. Esperou para ver se as outras duas pessoas pegariam o mesmo, caso não pegassem simplesmente apertaria o 105.

Acabou adentrando o elevador logo após o homem que, supostamente, estava indo ver Kwame. Talvez ele também fosse um engenheiro encarregado do mesmo projeto que o seu. Aguardou silenciosamente para que ele apertasse o botão do andar em questão.

Após passar boa parte do tempo de espera calado e de mãos dadas com Stellae e seu mini-ajudante, o garoto decidia quebrar o gelo entre eles e o estranho. — ...Ele também ameaçou a sua família com leis jurídicas? — Foi a única questão que fez. Calmo como se estivesse perguntando o horário.

Seu olhar sério e distante mudou para um surpreso ao ouvir o que Willie dizia sobre ter sido ameaçado.
— Você não me disse isso. — Disse em um tom baixo, para que apenas ele ouvisse, apertando os dedos gélidos na mão do garoto novamente. Realmente era verdade, Willie não lhe dera tantos detalhes sobre a viagem, talvez não tivesse lhe dito pelo fato de se preocupar demais e ser, quase o tempo todo, superprotetora.
De relance, virou o rosto para o homem desconhecido, analisando-o de cima para baixo de um jeito um tanto "discreto". É sério que ainda tem gente usando pochete? Foi uma tarefa quase impossível não revirar os olhos.

Quando Christopher pressiona o botão, a porta do elevador imediatamente se fecha. Antes de qualquer movimento, porém, um pequeno equipamento acima do trio se revela e realiza um rápido escaneamento em todos. Após alguns poucos segundos, uma espécie de gaveta se abre na parte lateral do elevador.

— Perigo detectado. Por favor, deixe qualquer tipo de arma de fogo, objeto cortante ou substância perigosa no compartimento indicado. — Diz uma voz robótica que parece ecoar a partir de todos os cantos do largo elevador.

Se olharem para trás, o trio pode ver tudo que se passa na rua de onde vieram. Quase tudo na torre é feito de vidro resistente, o que dá um design bastante moderno.

Recostado, de braços cruzados, numa das extremidades do elevador ao lado dos botões de andares, Chris virou os olhos para o jovem. Aquela sim havia sido uma perguntava inesperada, principalmente por quase acertar o motivo da visita no determinado momento. Não pôde deixar de questionar a si mesmo a veracidade do que ouvira, a final poderiam se ajudar num futuro próximo.

— Qua--! — Ao descolar os lábios para responder, a voz robótica emitiu o aviso antes que soltasse uma palavra sequer. — Já estava quase acreditando que poderia subir lá com isso e resolver uns problemas.

Enquanto falava, descruzou os braços e, usando a mão direita, tirou uma pistola Hemero que estava coberta pela barra do casaco, presa entre a cintura e as calças. A voz era carregada de ironia, a final era óbvio que aquele lugar nunca seria mal protegido o suficiente para isso acontecer. Simplesmente largou a arma no local designado.
Correu o olhar para o casal, esperando que eles provavelmente fizessem o mesmo.

— Talvez minha arma responda sua pergunta.

— Desculpe, Stecchan. Não era muito importante, e eu não queria te preocupar. Além do mais, estou aqui justamente para resolver isso. — Respondeu à ela com certa serenidade no olhar, segurando gentilmente a mão fria dela com ambas as suas. Wilhelm já parecia estar amadurecendo, suficientemente para que pudesse tomar a responsabilidade inteiramente para si. — Que mão gelada. — Foi o que respondeu, acariciando o membro em questão para tentar aquecê-lo.

Interrompendo tanto Wilhelm quanto o outro engenheiro ali, uma voz sintética procurava confiscá-los. Andar por aí sem os seus objetos de auto-defesa era algo que lhe incomodava independente da segurança que lhe oferecessem, mas se viu sem opções. Aguardou pela vez do homem que os acompanhava e ouviu o seu comentário, observando-o inexpressivo. — Bem... — Retirou a pistola do coldre e colocou no container. Fez o mesmo com a longa bagagem que carregava em suas costas; onde seu rifle de caça estava armazenado. — Acho que não tenho como contestar.

Mostrou um sorriso envergonhado para Christopher. Não gostaria que o outro engenheiro tomasse sua imagem como a de um assassino, nem nada do tipo.

Deu um breve suspiro de preocupação enquanto seus olhos claros focavam no rosto do garoto, todo aquele sentimento sumindo aos poucos enquanto uma de suas mãos eram aquecidas pelas de Willie, fazendo com que um sorriso compreensível surgisse em seu rosto anteriormente inexpressivo. Estava feliz por ele ter tomado a decisão de resolver aquilo, e mais ainda aliviado por ter lhe trago consigo.

— Tudo b- — Sua fala nem sequer fora completada antes que fosse interrompida pela voz robótica alertando perigo, de imediato fuzilou o desconhecido com os olhos, se aproximando mais ainda de Willie, enquanto observava cada gesto que o mesmo fazia até enfim soltar a arma. Não tardou para que fizesse o mesmo. — Quem é você, afinal?

— Muito obrigado pela cooperação. Vocês são muito gentis. — Completa a voz robótica num tom monótono e sem modulação, o que contrasta com as palavras.

Instantaneamente, o elevador inicia sua trajetória rumo ao centésimo quinto andar, que surpreendentemente é bastante rápida e silenciosa. A tecnologia empregada naquela torre é de fato fascinante, e a locomoção se dá em apenas poucos segundos.

Quando o andar é alcançado, um som agradável é ouvido vindo da mesma direção de onde a voz robótica se pronunciou anteriormente. O abrir das portas revela um ambiente bem diferente do anterior, e não condizente com o que se espera.

O trio se vê num corredor totalmente branco e bem-iluminado, com nenhuma decoração. No fim deste há uma porta já aberta que dá acesso a um local inesperadamente pequeno que se assemelha a um pequeno escritório doméstico. Nada mais do que uma escrivaninha, um computador e três cadeiras simples dispostas a frente.

— Bom dia. — Diz uma voz grave e penetrante que parece ignorar a distância entre seu dono e o trio, como se ressoasse diretamente em suas mentes. — Podem se sentar.

Há algo fora do comum na atmosfera daquele ambiente. É como se o dono da voz penetrante tivesse uma aura forte que domina todo aquele corredor e convida os três a obedecerem sua sugestão. Seu rosto, porém, ainda não é visível enquanto ele digita por trás da tela daquele computador.

Chegando na cobertura, já com a porta aberta, olhou para o lado de fora do elevador visando o fim do corredor. Claro que conseguiu ouvir a pergunta da garota, mas não respondeu de imediato. Ouviu a voz ressoar no ambiente para só então virar-se para ela e esboçar um breve sorriso.

— Isso importa agora?

Deu as costas logo em seguida e tomou a frente na caminhada até o final do corredor. Sabendo que não tinha muitas escolhas ali, simplesmente sentou-se na cadeira da direita quando chegou na sala e esperou. As pernas estavam espaçadas, ocupando uma largura maior do que o assento e os braços cruzados contrastando com a cara de bunda impossível de ser disfarçada.

Acompanhou Christopher logo atrás enquanto guiava Stellae pela mão, dando um pouco mais de atenção à paisagem que as paredes de vidro daquele prédio poderiam proporcionar. O céu ainda azul naquele começo de dia era algo que Wilhelm admirava, podendo contemplá-lo o dia inteiro se não tivesse coisas mais importantes para fazer. A interrupção em seus pensamentos que a resposta do outro engenheiro havia realizado foram como um lembrete de suas responsabilidades.

— Vai matá-lo? — Questionou, novamente com mesma calma que alguém teria caso fosse perguntar as horas — Se for, peço para aguardar que eu cumpra meus negócios com ele. Te dou até um mecha gigante se necessário. — E deu um sorrisinho. Prosseguiu até a sala de Kwame.

Diferente do que imaginava, aquele lugar era pequeno pra caramba. Não ostentava nada que o esperado do CEO de um prédio de oitocentos metros. Sentou-se na cadeira do meio, com a garota de cabelos esbranquiçados ao lado e Eisen em seu colo. — Bom dia. — Respondia, em uníssono com seu ajudante metálico.

Para todos os presentes, Kwame é como uma entidade. Tanto para Wilhelm que pesquisou sobre ele quanto para Christopher que já havia ouvido falar de sua empresa, nenhuma imagem vêm a mente quando seu nome é mencionado. Isso porque é um homem que se mantém afastado da mídia e dos holofotes, sendo conhecido pelo que têm e não pelo que é. Sabe-se que é um empresário poderoso, mas não se sabe como é seu rosto.

Naquele momento porém, naquela reunião marcada pelo próprio CEO, os dois podem conhecê-lo pessoalmente - coisa que muitos entusiastas de seu ramo e até mesmo sócios jamais conseguiram fazer.

— Isso aqui, antes de tudo, é uma negociação, e vocês três - como leigos no assunto - não devem saber bem como funciona. Em negociações, sai na frente quem têm mais informações. — Ele para de digitar em seu computador para finalmente encarar o trio. — Vocês sabem uma coisa ou duas sobre mim, mas eu costumo caprichar no meu trabalho. Christopher: eu sei tudo sobre sua trajetória, sua mãe, a morte de seu pai e sobre a maior parte dos membros de sua resistência. Wilhelm: eu sei sobre sua mãe, seu pai, seu avô, a empresa que os sustenta e também sobre a sua amante.

Ele não se mantém sério por muito tempo e deixa soar um leve riso com a brincadeira no final, que fez somente com a intenção de provocar a garota que o acompanha.

— Eu não sei nada sobre você, menina, porque não a esperava. Mas prometo ter mais informações em nosso próximo encontro — Ele faz uma nota anotação antes de pressionar um pequeno botão que abre um projetor holográfico bem ao lado de si que exibe as imagens de um pequeno robô. — Apesar da minha posição de poder, eu tenho uma empregadora e ela está muito acima de mim. Todo ano, preciso levar um novo investimento para ela, e pra isso selecionei a empresa dos Schwarzdorn e a capitalização de uma ordem de resistência, que me renderia frutos caso bem sucedida. Os dois projetos, como vocês dois sabem, estão muito bem encaminhados mas não é de interesse de vocês que eles sejam bem-sucedidos. Por isso decidi abrir uma exceção para os dois casos e criar um cenário onde todo mundo sai ganhando, e Wilhelm vai explicá-lo para vocês.

A pergunta de Wilhelm foi extremamente inconveniente. Obviamente não dava para responder "sim, vou matar esse filho da puta" na frente de um dos filhos da puta mais poderosos da terra, então apenas fingiu que aquilo nunca aconteceu.
Lá sentado, os olhos de Chris iam de cima a baixo em Kwame quase como se estivesse mareado. As olheiras fundas de noites mal dormidas eram nítidas no contorno das pálpebras que sequer podiam denunciar expressivamente suas intenções durante o período que o ouviu falar.

— Negociar? — Indagou com certa acidez. — Estou aqui para fazer isso sim, mas duvido que será vantajoso pra mim.

Não se impressionava com as informações de sua vida na boca daquele empresário, a final com uma câmera o espionando era capaz de saber até mesmo os horários que iria ao banheiro.
Apesar de todo o cenário despropério para se fazer negócios, calou-se após a declaração, esperando que ele falasse mais sobre os termos antes de dar um veredito sobre alguma decisão de sua parte. Movendo a cabeça levemente para trás, estalou o pescoço.

— Então aí está uma falha sua — retrucou, balançando o dedo indicador como se dissesse "seu safado" — Não pesquisou o suficiente sobre mim para saber que eu estava com saudades dela. — Foi então que sorriu, como forma de amenizar a situação. Apesar de dificilmente fazer uma brincadeira, Wilhelm estava  no humor para aquilo, simplesmente por puro nervosismo. Caso fosse possível, todo o seu interior já estaria encharcado de suor, de tão nervoso.

— Bem. — Respondeu após ter sido requisitado que explicasse a proposta em questão. — Basicamente, eu mando um projeto de um mecha para os engenheiros da empresa do Kwame — Ao dizer aquilo, puxou o technophone de seu bolso e abriu algumas imagens que já havia designado, enviando-as para o celular de Christopher — e, caso sejam boas o suficiente, ele irá bancar toda mão de obra e a matéria prima necessário para construí-los, desde que sua empresa fique com o primeiro modelo. Independente de quantos eu fizer.


Depois daquela explicação, tornou o olhar à Kwame. — Certo? — Apesar de já ter concluído o seu raciocínio, parou para pensar em algo importante pra cacete em relação ao projeto. — Independente de tudo... Kwame, seus objetivos são mechas de exploração ou militares? Já fiz um projeto para os dois, mas eu gostaria de saber o que tem em mente antes de eu gastar neurônios à toa.